Rádios comunitárias como meios
de politização do cotidiano
Por Rubermária Sperandio
1 - Resumo
Os debates e pesquisas em torno da comunicação comunitária, ao longo das últimas décadas têm aumentado consideravelmente. Com isso, observamos o surgimento de novas temáticas destinadas a consolidar novos paradigmas e perspectivas no cenário comunicativo. Este artigo não tem a pretensão de trazer para a reflexão uma temática inédita, mas a luz de estudos de temas afins acalorar um pouco mais o debate sobre este novo fenômeno cultural no nosso cenário midiático.
Nesta perspectiva, o texto aborda o contexto em que surgiram as rádios comunitárias, seus objetivos e o problema do apadrinhamento político vivenciado no setor, como entrave principal a comunicação democrática à que se propõe. Mostra - a partir da reflexão sobre o local, a cultura e a política nas rádios comunitárias - a importância dessa modalidade de comunicação para o estabelecimento de um verdadeiro debate na busca de um mundo mais justo e democrático. Evidencia a importância do apoderamento das rádios comunitárias pela comunidade local como único meio de libertá-las de apropriações inadequadas e indevidas e de devolvê-las a sua verdadeira razão de ser. O estudo é baseado em pesquisa bibliográfica, artigos, entrevistas e sites na internet.
2 - Introdução
Para falar sobre a comunicação comunitária no Brasil é preciso antes nos reportarmos ao contexto desencadeador dessa modalidade de comunicação.
A partir da implantação da indústria cultural no Brasil, na década de 40, embora muitos dos seus aspectos tenham sofrido transformações e inovações técnicas, o conteúdo e o modo de operação dos veículos da indústria cultural permaneceram os mesmos (Coelho, 2003, p. 89). Persistem as receitas de sucesso junto ao grande público; continua a publicidade intensa e insidiosa lançando mão de todos os recursos de manipulação para motivar e estimular a venda de seus produtos e ideias. E o pior, de quem são as ideias e os produtos? De uma pequena elite formada por nove famílias que controlam 80% dos meios de comunicação do Brasil.
Mas, segundo Abramo, a ambição do lucro, por si só, não explica a manipulação e a distorção dos meios de comunicação.
É evidente que os órgãos de comunicação, e a indústria cultural de que fazem parte, estão submetidos a lógica econômica do capitalismo. Mas o capitalismo opera também com outra lógica - a lógica política, a lógica do poder - é aí, provavelmente, que vamos encontrar a explicação da manipulação jornalística (ABRAMO, 2004, p. 43).
A grande mídia constitui uma coluna de sustentação do poder imprescindível como fonte legitimadora das medidas políticas anunciadas pelos governantes e das estratégias de mercados adotadas pelas grandes corporações e pelo capital financeiro. “Atua, enfim, como um ‘partido’ que, proclamando-se porta voz e espelho dos ‘interesses gerais’ da sociedade civil, defende os interesses específicos de seus proprietários privados” (ARBEX, 2003, p. 8).
As denúncias da manipulação dos meios de comunicação começaram a fazer parte da história do Brasil a partir da década de 60, ganhando intensidade nos anos 70 e no início dos anos 80. Foi nesse período que se formaram entre nós os grandes monopólios da comunicação. Este também foi o período da comunicação de resistência, articulada por sindicatos, comunidades e grupos da esquerda.
Dentro desse contexto de resistências surgiram as primeiras rádios comunitárias - no início denominadas de rádios livres. As motivações que levaram a instalação desse tipo de rádio livre, pautadas primordialmente pelo estabelecimento de canais alternativos de comunicação, foram os mais variados possíveis: políticos, ideológicos, interesses de classe, movimentos de minorias, motivações sociais e motivações religiosas. Mas, apesar da diversidade de causas, uma característica básica uniu todas as rádios livres - até mesmo, aquelas instaladas por motivos exclusivamente comerciais - a contestação sistema vigente de comunicação de massa (PERUZZO apud LOPES, 2005, p. 8).
Entretanto, foi a rádio Xilik a responsável pelo início da popularização da questão da democratização da comunicação no Brasil. A ideia de montar esta rádio surgiu de um grupo de professores e alunos da USP autodenominado os "doze apóstolos" – entre eles o professor Arlindo Machado, Caio Magri e Marcelo Masagão[1]. As informações controvertidas e desencontradas sobre a morte do presidente Tancredo Neves fornecidas pelos meios de comunicação de massa, em março de 1985, despertaram no grupo a vontade de ter uma rádio que pudesse fornecer uma versão real dos fatos.
Na década de 1990 o movimento de rádios livres popularizou-se, espalhando-se por todo o país. De baixa potência e com alcance limitado, a programação dessas rádios era restrita à comunidade, falava por intermédio de seus próprios agentes, numa relação de organicidade. Foi nesse momento que o termo rádio livre foi substituído por rádio comunitária, graças a forte identificação desse tipo de veículo de comunicação com as respectivas comunidades nas quais se inseriam.
Mas, apesar de terem surgido para contestar a manipulação e a centralização dos meios de comunicação servindo aos interesses e necessidade ignorados das comunidades pela comunicação de massa, estudiosos e representantes do movimento de rádios comunitárias vêm denunciando a sua utilização para fins político-partidários, comerciais e religiosos em geral.
O principal fator apontado como causa desse problema tem raiz na própria Lei 9.612/98 que regulamenta os serviços de radiodifusão comunitária no Brasil. A burocracia e as restrições contidas na legislação praticamente inviabilizam a atuação das emissoras: se antes da implementação da lei as rádios comunitárias eram perseguidas e fechadas sob a alegação do Ministério das Comunicações de que não existia um aparato jurídico que regulamentasse essa prática, hoje elas são fechadas porque não conseguem a outorga. Para dar inicio ao processo, há uma lista de exigências determinadas por esta lei que para cumpri-las, sem um padrinho político, é quase impossível.
Cristiano Lopes em sua Dissertação de Mestrado - Políticas Públicas de Radiodifusão: exclusão como estratégia de contra-reforma, nos dá uma dimensão desse complicado processo de outorga. Segundo ele, dos 14.006 processos de rádios comunitárias analisados neste estudo, entre 1998 e 2004, apenas 2.189 foram capazes de vencer as barreiras burocráticas, lembrando, ainda, que a maioria dos processos autorizados teve um padrinho político[2].
[...] ter alguém dentro da máquina burocrática que auxilie faz uma diferença enorme. As entidades que tentam sanar todos os problemas das associações e fundações comunitárias que não têm apoio de políticos não sabem como se dá o processo tão bem quanto os deputados, que contam com a assessoria de seus gabinetes que trabalham, muitas vezes, como despachantes desses processos, sanando documentação pendente e até apresentando essa documentação ao ministério. Então, é uma luta desigual (LOPES apud GASPAR, 2005).
O resultado dessa política de favorecimentos tem permitido a autorização e o funcionamento de rádios totalmente descomprometidas com a sua verdadeira função, ou seja, a de dar voz ao povo. Outra consequência é a apropriação direta e indireta das rádios comunitárias por políticos nas esferas municipais, configurando o que Vinicius Lima, em sua pesquisa, denominou de coronelismo eletrônico de último tipo.
Os novos coronéis eletrônicos, como os anteriores, continuam tendo no controle do voto a sua ‘moeda de troca’ básica com o Estado e a própria União. […] As rádios comunitárias, na sua maioria, são controladas, direta ou indiretamente, por políticos locais - vereadores, prefeitos, candidatos derrotados a esses cargos, líderes partidários (2007, p. 6-7).
Deste modo, ao invés de questionar o coronelismo existente no setor de comunicação no país, as rádios comunitárias acabam por reproduzir, em pequena escala, os mesmos mecanismos contestados pelo movimento que lutou pelo reconhecimento delas como um direito à liberdade de comunicação no Brasil, sob uma aparente feição comunitária.
3 - O local e a Cultura das rádios Comunitárias
Segundo o movimento de rádios comunitárias e conforme ratificado na Lei nº. 9.612/98[3], os objetivos primordiais de uma rádio comunitária é: dar oportunidade à difusão de ideias, elementos de cultura, tradições e hábitos sociais da comunidade; oferecer mecanismos à formação e integração da comunidade estimulando o lazer, a cultura e o convívio social; e capacitar o cidadão no exercício do seu direito de expressão e de cidadania.
Apesar de muitas rádios comunitárias terem alcance para além das fronteiras de suas comunidades, quer por questões geográficas, quer pela sua inserção na Internet, tacitamente, o seu compromisso é com a comunidade onde estão instaladas. A capacidade de interação e de democratização desse veículo de comunicação se deve justamente ao fato do mesmo ser de baixa potência e, consequentemente, estar restrito a um raio de alcance que dispensa a necessidade do modelo representativo.
A proposição de ação local das rádios comunitárias é corolário de uma nova prática de intervenção direta do cidadão nos processos sociais a partir do local de suas vivências. Uma alternativa ao modelo de representação por meio de instituições do Estado, o qual tem dado provas de sua inoperância no que até então se entendia como do âmbito de suas próprias e intransferíveis atuações, a exemplo da saúde, educação, habitação, segurança, etc. Até então entendido por muitos autores como instituição capaz de representar os interesses sociais, o Estado tem dado mostras significativas de que não é uma alternativa ao sistema econômico, mas sim um parceiro dos setores associados ao fluxo mundial de capitais.
Na atual globalização econômica têm papel central no fluxo rápido de capital os meios de comunicação. Apropriados por alguns Estados e por algumas empresas, os meios de comunicação tem como finalidade a exploração comercial feita por intermédio da indústria cultural, na qual a construção das identidades é feita em massa para atingir grandes contingentes de mercados, ignorando a diversidade simbólica e realidades locais. Segundo Milton Santos (2006, p. 40 - 41), o fato de a comunicação permitir que se saiba instantaneamente o que se passa em qualquer lugar do planeta, possibilitou que se cunhasse a expressão “aldeia global”. No entanto, ao contrário do que se dá nas verdadeiras aldeias, é mais fácil comunicar com quem está distante do que com o vizinho.
Sendo assim, os meios de comunicação local, no caso específico das rádios comunitárias, são imprescindíveis para o compartilhamento de informações que não encontram espaços para sua divulgação nos veículos comerciais. Elas têm sido consideradas capazes de intervir no fluxo comunicacional dominante para, através da participação nos processos de construção simbólica, processar uma nova cultura que garanta mais democraticamente o acesso a todos os bens produzidos pelo homem.
Nesse sentido, a construção de um mundo mais justo e igualitário pregado pelo movimento de rádios comunitárias, por intermédio da apropriação dos meios de comunicação, passa também pela transformação da cultura de minoria numa cultura comum a todos. Então, uma rádio, para ser considerada comunitária, com base em seus objetivos, precisa ser um meio de interação da cultura dos excluídos dos meios comunicativos. Esta cultura que ao ser alijada do processo de construção simbólica é também alijada dos meios de produção como um todo.
Entendemos as rádios comunitárias como um fenômeno cultural recente na intenção de introduzir na sociedade um novo conceito de programação, capaz de transformar a informação ideologizada em informação real a partir de vivências concretas. Segundo Peruzzo (2004, p 257), a programação de uma rádio comunitária “tende a ter um vínculo orgânico com a realidade local, tratando de seus problemas, suas comemorações, suas necessidades, seus interesses e sua cultura”. Ou seja, os conteúdos da programação de uma rádio comunitária são tão diversificados quanto às demandas da sua localidade.
Voltadas para a população carente, elas já conseguiram baixar o preço de alimentos, arrecadar remédios, cobertores, encontrar crianças perdidas, distribuir cestas básicas, promover a reconciliação entre pessoas e apaziguar grupos rivais, num mundo marcado pela falta de solidariedade e violência. […] têm promovido campanhas para limpeza de ruas, contra a poluição, contra o uso de drogas. Promovem gincanas esportivas, programas de orientação aos jovens, trabalhos para o desenvolvimento de potenciais artísticos nos segmentos de músicas e poesia da própria comunidade. Sua programação diferenciada se desenvolve para os diversos segmentos comunitários (COELHO NETO, 2002:24).
Neste caso, podemos afirmar que a programação das rádios comunitárias estaria contribuindo para a emergência de um conceito orgânico de cultura: o de cultura como modo de vida, pois ela nasce das necessidades do cotidiano. Este conceito coaduna com o conceito de cultura material de Raymond Williams, para o qual, cultura é mais do que literatura e outras artes. “É todo um modo de vida, longe de ser marginal ou subsidiária, é constitutiva do processo social, é um modo de produção de significado e valores mais básicos para o funcionamento de uma sociedade” (apud CEVASCO, 2003, p. 110 - 112).
A cultura entendida nesta visão tem a vantagem de promover o acesso de todos aos processos de produção simbólica e não apenas algumas mentes privilegiadas e brilhantes. Mas para isso é preciso dar as condições para que todos sejam produtores de cultura, e não apenas consumidores de uma versão escolhida par uma minoria.
[...] uma cultura comum não é a extensão geral do que uma minoria quer dizer e acredita, mas a criação de uma condição em que todas as pessoas, como um todo participem na articulação dos significados e dos valores, e nas consequentes decisões entre este ou aquele significado ou valor. Isso envolveria, em qualquer mundo real, a remoção de todos os obstáculos a precisamente essa forma de participação: essa é a razão para ter interesse nas instituições de comunicação, que, sendo dominada pelo capital e pelo poder do Estado, estabelecem a ideia de poucos comunicando para muitos, desconsiderando a contribuição dos que são vistos não como comunicadores, mas meramente comunicáveis (WILLIAMS apud CEVASCO, 2003, p 54).
4 - A Política nas Rádios Comunitárias
Em suas proposições acerca da participação democrática na construção simbólica dos processos culturais na modernidade, Williams explora as possibilidades de um aumento do número de produtores abertas pelas novas tecnologias. Entretanto, segundo este autor, para alcançarmos essa extensão, teríamos de escolher um tipo de organização econômica e, consequentemente, um outro tipo de organização social, que nos levasse a riqueza da cultura comum. Para isso, a tarefa aos que não estão satisfeito com a situação como está é derrotar no geral e no detalhe o sistema de significados e valores que a sociedade capitalista gera.
Dada a semelhança entre a cultura do cotidiano das rádios comunitárias e o conceito de cultura de Raymond Williams, poderíamos afirmar que as rádios comunitárias são portadoras de uma política cultural revolucionária?
Segundo Santos (2006, p. 134 - 145), a organização é importante como instrumento de agregação e multiplicação de forças afins, mas separadas. Por serem portadoras de um movimento constante, os símbolos das produções culturais correspondentemente locais por ser portadoras de um movimento constante seus símbolos são constantemente renovados e, portanto, difíceis de serem apreendidos vivamente. Além disso, conforme Gomes (apud Andriotti, 2004, p. 86) “a comunicação popular não pode se dar, a priori, como sendo obrigatoriamente ‘emancipadora’ – no sentido político e ideológico das esquerdas” - posto que ela não ocorre apenas nas formas de resistência à dominação, mas nas inúmeras formas de reprodução dessa dominação e em outros níveis, mais práticos e funcionais da vida cotidiana. Dessa forma, mesmo em rádios comunitárias surgidas dentro de movimentos sociais de esquerda, a sua pauta não pode se limitar apenas à luta pelo desmanche do Estado capitalista. As rádios comunitárias têm de lutar, antes, para que a vida dentro do sistema capitalista seja menos sofrível e essa luta engloba todas as vertentes políticas presentes dentro das comunidades. É por meio dessa luta, na convivência com o outro, que cada ser humano vai descobrindo como se dá a exploração a que está submetido. A tomada de consciência do funcionamento sistêmico do mundo é um dado fundamental na busca por uma política acima dos interesses partidários onde o centro seja o homem e não a economia. O sentido desta política não tem nada a ver com a política institucional. Esta última se funda na ideologia do crescimento da globalização que é conduzida pelo cálculo dos partidos e das empresas. A política das rádios comunitárias é baseada no cotidiano vivido pela comunidade e é alimentada pela simples necessidade de continuar existindo. É claro que os espaços locais acolhem os vetores da globalização, daí a presença simultânea de comportamentos contraditórios, alimentados pela ideologia do consumo. Mas este, por suscitar expectativas e desejos que não podem contentar, acaba servindo como alimento para o entendimento sistêmico das demandas não satisfeitas. Este processo, “via de regra, é lento. Mas isso não impede que, no âmago da sociedade, já se estejam, aqui e ali, levantando vulcões, mesmo que ainda pareçam silenciosos e dormentes” (SANTOS, 2006, p. 134). As demandas atuais por mais participação e inclusão nos processos sociais por meio das rádios comunitárias nos dão esse entendimento.
Segundo Peruzzo, a importância da comunicação comunitária, enquanto meio facilitador do exercício dos direitos e deveres de cidadania é inegável em muitas localidades do Brasil.
Talvez essa seja a razão da falta de políticas condizentes para o setor no Brasil, comprovada pela perseguição às rádios comunitárias e por uma legislação que procura mais dificultar do que favorecer a sua ação. Afinal, o desenvolvimento social não interessa a todos os setores da sociedade (2007, p. 75).
5 - Conclusão
Apesar dos problemas vivenciados pelas rádios comunitárias, a importância desta nova modalidade de comunicação no cenário da comunicação é inegável. Não fosse assim as inúmeras tentativas de rechaço a elas não se justificariam. Mas a pertinência de sua atuação não deve ser medida apenas pela negação a sua presença e sim pelos muitos progressos sociais feitos a partir dela. Entre eles, o mais importante tem sido a progressiva desmitificação da política cultural, mostrada em toda a parte, por meio da presença e da influência da cultura de massa. A partir desse entendimento, mesmo que ainda meio confusa, da manobra dos “de cima” que os alijados do processo comunicativo e cultural estão despertando para a importância da revalorização do local, da comunidade como espaço capaz de lhes assegurar uma maior participação nos processos e nos resultados das políticas sociais. A emergência do local como espaço de recostura do sujeito à estrutura é uma resposta à insuficiência do modelo indivualístico-universalista adotado pela modernidade.
Neste contexto, por meio da politização da vida cotidiana, as rádios comunitárias são os meios que, ao mesmo tempo, propiciam e divulgam esta nova forma de intervenção social. Por ser plural, sua programação possibilita a construção de uma cultura comum a todos ao considerar as contribuições de todas as pessoas na articulação dos significados e valores da sociedade em que vivem. Este tipo de participação é um dique a cultura produzida por uma minoria, ou como querem que a entenda, cultura “de massa”.
Mas, para que esses ideais sejam ao menos trilhados, pois dada à sociedade em que vivemos sejam difíceis de concretizarem plenamente, a comunidade precisa se conscientize disso e tomar posse de sua rádio mobilizando denúncias contra as rádios que não atuam devidamente enquanto comunitárias. À medida que as comunidades forem se apoderando de suas rádios comunitárias a razão de ser destes veículos será resgatada.
Bibliografia:
ABRAMO, Perseu. Significado da Manipulação na Grande Imprensa. In: _. Padrões da Manipulação na Grande Imprensa. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003.
ANRIOTTI, Cristiane. O Movimento das Rádios Livres e Comunitárias e a Democratização dos Meios de Comunicação no Brasil. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.
ARBEX JUNIOR, José. O Legado Ético de Perseu Abramo e de Aloysio Bionde. In: ABRAMO, Perseu. Padrões da Manipulação na Grande Imprensa. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003.
CEVASCO, Maria ELisa. Dez Lições sobre os Estudos Culturais. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003.
COELHO NETO. Armando. Rádio Comunitária Não é Crime. São Paulo: Ícone, 2002.
GASPAR, Júlia.Rádio Comunitária Depende de Padrinho. Observatório da Imprensa. http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=330IPB004. Acessado em 13/03/2006.
LIMA, Venício A. de; LOPES, Cristiano Aguiar. Coronelismo Eletrônico de Novo Tipo (1999 – 2004). Disponível em: Acesso: 19 de out.2007.
LOPES, Cristiano Aguiar. Política de Radiodifusão Comunitária: Exclusão
como estratégia de contra-reforma. Dissertação de Mestrado apresentada a Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, 2005.
PERUZO, Cicília Maria Krohling. Rádio Comunitária, Educomunicação e Desenvolvimento. In: PAIVA, Raquel (Org). O Retorno da Comunidade: os novos caminhos do social. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007.
______. Comunicação nos movimentos Populares. 3 ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 2004.
SANTOS, Milton. Por uma Outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 13. ed. São Paulo : Record, 2006.
[1] Posteriormente, estes professores, lançaram o livro Rádios Livres: a Reforma Agrária no Ar, primeira publicação sobre o tema no país.
[2] O autor pode comprovar isso confrontando os processos outorgados com a lista de demonstração de interesse de deputados e senadores num programa de computador que foi instalado no governo Lula, por volta de 2003, dentro do Ministério das Comunicações, chamado Pleitos.
[3] O movimento de rádios comunitárias não concorda com a maioria dos ordenamentos dessa lei e afirma que ela faz parte de uma estratégia para engessar o processo de democratização do rádio. Contudo, segundo o movimento, o conceito de rádio comunitária nela formulado é condizente com os objetivos a que ela se propõe.
(Fonte: Núcleo Piratininga de Comunicação - http://www.piratininga.org.br/novapagina/leitura.asp?id_noticia=1323&topico=Comunica%E7%E3o%20Alternativa)
Rádios Comunitárias: O coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004)
Por Venício Lima
As rádios comunitárias existem entre nós desde a década de 1980, muito antes de serem regularizadas em 1998. Mais recentemente elas têm ocupado com frequência as páginas e o espaço da grande mídia. Delas se tem notícia por supostas interferências no nosso caótico tráfego aéreo ou quando a Polícia Federal e a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) executam as constantes ordens de apreensão de equipamentos transmissores e a prisão de operadores de rádios não-legalizadas.
As rádios comunitárias legalmente autorizadas, exploradas por associações e fundações, deveriam ser um dos mais importantes instrumentos para a efetiva democratização da comunicação no Brasil. Nelas deveria ser exercido o direito à comunicação por aqueles que, em geral, não o têm - até porque, muitas vezes, o desconhecem. Infelizmente, não é o que acontece.
Primeiro, porque a lei que regularizou as rádios comunitárias é excludente. Ela mais dificulta do que facilita o exercício do direito à comunicação. E, segundo, porque o processo de outorga para funcionamento de uma rádio comunitária é um interminável e tortuoso caminho que poucos conseguem percorrer. Existem milhares de pedidos de outorga aguardando autorização para funcionamento no Ministério das Comunicações.
Prática corriqueira
A hipótese de que as rádios comunitárias se transformaram em instrumento de barganha política, configurando uma prática a que chamamos de "coronelismo eletrônico de novo tipo", foi a orientação básica para o desenvolvimento da presente pesquisa - uma realização do Instituto Para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor), com apoio da Fundação Ford.
Durante mais de 18 meses trabalhamos na construção de um banco de dados com informações sobre 2.205 rádios autorizadas a funcionar pelo Ministério das Comunicações (isto representa 80,44% das rádios que já haviam sido autorizadas até janeiro de 2007).
Em seguida, conseguimos realizar uma série de levantamentos com dados aos quais não se tem acesso público, dentre eles: estatísticas referentes ao número de processos autorizados pelo Ministério das Comunicações e aos processos encaminhados pela Presidência da República – Casa Civil/Secretaria de Relações Institucionais (SRI) ao Congresso Nacional; quadro estatístico com o número de outorgas concedidas individualmente pelos ministros que ocuparam o Ministério das Comunicações durante o período estudado; cálculo do tempo médio de tramitação dos processos na Presidência da República – Casa Civil/SRI; cruzamento dos dados referentes aos tempos de tramitação na Presidência da República – Casa Civil/SRI com os dados do banco de dados "Pleitos" (programa de cadastro e apreciação dos pedidos de “acompanhamento de processo” encaminhados por políticos ao Ministério das Comunicações); e cruzamento dos nomes dos representantes legais e membros das diretorias das rádios comunitárias analisadas com as seguintes listagens:
a) candidatos eleitos e derrotados nas eleições municipais de 2000 e 2004;
b) candidatos eleitos e derrotados nas eleições estaduais e federais de 1998, 2002 e 2006;
c) doadores de campanha nas eleições de 2000, 2002, 2004 e 2006;
d) membros de partidos políticos;
e) arquivos de publicações editadas nos municípios na qual operam as rádios comunitárias; e
f) lista de cotistas, sócios, diretores e membros de diretorias de entidades de radiodifusão comercial, educativa e comunitária.
Os principais resultados obtidos confirmam a existência de um quadro alarmante no setor: a maioria das rádios comunitárias funciona no país de forma "irregular" porque não logrou ser devidamente autorizada; e, entre a minoria autorizada, mais da metade opera de forma ilegal.
Entre as 2.205 rádios pesquisadas, foi possível identificar vínculos políticos em 1.106 – ou 50,2% delas. Embora exista uma variação considerável nesses vínculos entre os estados, o mesmo não acontece quando se comparam as regiões. Os cinco estados nos quais encontramos maior índice de vínculo político (Tocantins, Amazonas, Santa Catarina, Espírito Santo e Alagoas) representam o Norte, o Sul, o Sudeste e o Nordeste, quatro das cinco regiões brasileiras. Trata-se, portanto, de uma prática política nacional.
Descaminhos burocráticos
Identificamos, também, um número considerável de rádios comunitárias com vínculos religiosos: 120 delas, ou 5,4% do total. O domínio desses vínculos é da religião católica, com 83 emissoras, ou 69,2%; 33 emissoras, ou 27,5%, eram ligadas a igrejas protestantes; 2 emissoras, ou 1,66%, a ambas as religiões; 1 à doutrina espírita e 1 ao umbandismo.
Ainda que significativo, o resultado obtido certamente subestima a verdadeira prevalência de vínculos religiosos. As únicas fontes possíveis de informação eram noticiários, páginas oficiais das igrejas, informações contidas nos próprios estatutos das entidades ou as denominações "pastor" e "padre" nos nomes utilizados nas urnas pelos candidatos nas eleições pesquisadas.
Finalmente, comprovamos a existência de duplicidade de outorga em 26 emissoras - ou 1,2% das associações ou fundações comunitárias. Duplicidade significa a existência de ao menos um integrante da diretoria da rádio comunitária pertencente à diretoria de uma outra concessionária de radiodifusão educativa, comercial ou comunitária - algo proibido por lei. Em termos proporcionais, destacaram-se os estados de Mato Grosso, com 4,6% de duplicidades; Minas Gerais, com 2,1%; Rio de Janeiro, com 1,9%; Goiás, Mato Grosso do Sul e Pernambuco, com 1,8%.
O conjunto de resultados confirma a hipótese central da existência de um "coronelismo eletrônico de novo tipo" envolvendo as outorgas de rádios comunitárias.
Já no início do processo de obtenção da outorga no Ministério das Comunicações fica claro que a existência de um "padrinho político" é determinante não só para a aprovação do pedido como para a velocidade de sua tramitação.
Na etapa seguinte - o Palácio do Planalto - alguns processos foram acelerados enquanto outros foram retidos sem qualquer razão de ordem técnica que justificasse tal procedimento. Na prática, o resultado é a outorga de rádios comunitárias para algumas entidades e a não-concessão para outras.
Consequências perversas
Finalmente, os dados revelam que existe uma intensa utilização política das outorgas em dois níveis: no municipal, em que elas têm um valor no "varejo" da política, com uma importância bastante localizada; e no estadual-federal, no qual se atua no "atacado", por meio da construção de um ambiente formado por diversas rádios comunitárias controladas por forças políticas locais que devem o "favor" de sua legalização a um padrinho político.
Dos 1.106 casos detectados em que havia vínculo político, exatos 1.095 (99%) eram relativos a um ou mais políticos que atuam em nível municipal. Além disso, todos os outros 11 casos restantes são referentes a vínculos com algum político que atua em nível estadual ou candidatos derrotados a cargos de nível federal. Não houve nenhum caso detectado de vínculo direto entre emissoras comunitárias e ocupantes de cargos eletivos em nível federal.
Confirmou-se, portanto, que o histórico vínculo entre concessões de radiodifusão e políticos profissionais [ver "Representação do Projor à Procuradoria Geral da República"] continua existindo na radiodifusão comunitária. Mas, agora, de forma inédita: é a municipalização do vínculo entre emissoras de radiodifusão e políticos profissionais por intermédio do "coronelismo eletrônico de novo tipo".
Quando se discute a digitalização do rádio e que se torna mais clara a necessidade de modificações no atual marco regulatório da comunicação eletrônica de massa, os resultados desta pesquisa, além de confirmar a prática política de um "coronelismo eletrônico de novo tipo", fazem emergir um panorama sombrio com consequências perversas para a consolidação da democracia brasileira. Conhecer este cenário é condição indispensável para transformá-lo.
(Fonte: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/download/Coronelismo_eletronico_de_novo_tipo.pdf)
Rádios comunitárias e a
democratização da mídia
Por Emir Sader
No Brasil as rádios comunitárias têm sido vítimas de repressão, com centenas de rádios fechadas nos últimos anos, em condições que buscam diversificar a expressão cultural e informativa, inclusive pelo fato de que o espectro radio-elétrico tem uma capacidade limitada, sendo patrimônio livre da humanidade, não podendo ser apropriado privadamente. Segundo a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos: “Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Este direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informação e ideias de todo tipo.” Trata-se de um direito de todas as pessoas e não apenas de jornalistas ou proprietários de meios de difusão.
Quando 26 rádios foram fechadas pouco tempo antes das eleições, Joaquim Carvalho, do departamento jurídico da Associação Brasileira de Radiodifusão afirmou que esse procedimento “faz parte de uma ofensiva de fechamento de emissoras que apoiavam a reeleição de Lula, perpetrada por gerentes regionais da Anatel que ainda seriam da época do governo de FHC”. Os fechamentos de emissoras não seriam ordenados pela presidência da República, mas pelo organismo de controle, o que não isenta a presidência de responsabilidades, ainda mais que esses fechamentos aumentaram durante o primeiro governo Lula.
Existe no Brasil uma lei aprovada em 1998 regulando a radiodifusão comunitária. No entanto o Associação Mundial de Rádios Comunitárias apresentou um documento à Corte Interamericana de Direitos Humanos, afirmando que: “Existem para as emissoras não comerciais discriminações explicitas em relação à utilização de um único canal para a totalidade do país, o que fere qualquer vocação pluralista em cada área coberta. Como isso não bastasse em termos de discriminação, sua potência é muito limitada, assim como sua área de cobertura, que não passa de uma área de um quilômetro. Isto se acentua porque elas não podem produzir recursos próprios, o que representa ser penalizadas por ter publicidade.”
Na campanha eleitoral se mencionou a disposição do governo de promover um projeto com o objetivo de “democratizar os meios de comunicação no Brasil”, mas existe o temor de que na realidade possam trazer ainda mais obstáculos às rádios comunitárias. Quando na realidade a defesa e promoção destas é elemento essencial no processo de democratização da mídia brasileira, multiplicando as vozes que se sentem sufocadas pelos monopólios privados da comunicação.
Nas últimas eleições, ficou claro que a grande maioria dos brasileiros discorda das orientações dessa mídia monopolista, votando no candidato quase unanimemente condenado por elas. É preciso que essas vozes possam se expressar, para expandir e consolidar a opinião pública alternativa, majoritária no Brasil de hoje.
Rádios comunitárias seguem
resistindo à grande imprensa
Por Bruno Zornitta,
do Fazendo Media, abril de 2005
As elites sempre tentaram calar as vozes dissidentes, que contrariam o pensamento único. O oligopólio das comunicações é bastante eficaz nesse sentido. Veículos pequenos são sistematicamente engolidos pelo mercado. Basta lembrar o que a Globo fez com os jornais de bairro no Rio. E atentar para a parceria do império das comunicações com a ONG Viva Rio para que esta, por meio de sua rádio, distribua o áudio dos programas da Rede Globo às rádios comunitárias. Como se não bastasse isso, as emissoras comunitárias são vítimas de dura repressão do Estado, por meio da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e da Polícia Federal.
No início, as rádios eram fechadas por falta de uma legislação própria. Com o advento da Lei 9.612/97, que regulamenta o serviço de radiodifusão comunitária, as justificativas para a repressão mudaram. A Anatel passou a fechar emissoras baseando-se no artigo 19, inciso XV, da Lei Geral de Telecomunicações (LGT - Lei 9.472), que estabelece a penalidade de "busca e apreensão de bens". Em 1998, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do artigo, por ferir o princípio do devido processo legal. Além disso, a LGT não se aplica à radiodifusão, pois esta foi separada das telecomunicações por emenda constitucional, em 1997, por ocasião da privatização do sistema de telefonia.
Impedida de apreender os equipamentos, a Anatel passou a se utilizar do lacre, o que não está previsto em nenhuma lei. Isto porque a agência não possui poder de polícia, apenas fiscalizatório. Para resolver esse "problema", a Anatel passou a trabalhar em conjunto com a Polícia Federal. O resultado é que hoje a radiodifusão comunitária é caso de polícia. Os policiais invadem as rádios, muitas vezes arrombando as portas, algemando os comunicadores e até agredindo-os. "É lamentável reconhecer que existem cerca de dez mil pessoas sendo processadas hoje pelo crime de falar. São os presos políticos dos dias atuais", diz o dossiê "Querem calar a voz do povo - II", disponível na página do coletivo Intervozes (www.intervozes.org.br).
De acordo com o dossiê, a ANATEL fechou 7.612 emissoras em todo o país, somente entre 2002 e 2003. Ressalte-se que esta repressão conta com a cumplicidade da mídia colombina (referência à mulher sedutora da “Commedia dell arte”): "A grande imprensa é inimiga das rádios comunitárias porque elas estimulam a inteligência, promovem a cultura e fomentam a educação e a cidadania. As emissoras comerciais não querem o povo brasileiro sabedor dos seus direitos, organizando-se para exigir direitos, mas alienados, pasteurizados - ao invés de cidadãos, consumidores", afirma o documento. Refém da colombina, o governo destina mais da metade de sua verba publicitária para o império da família Marinho. "Em 2003, somente o Banco do Brasil botou 12,8 milhões na Globo, metade do que dispunha para publicidade em todo ano", denuncia o mesmo dossiê.
As Organizações Globo sempre promoveram intensa campanha de criminalização das rádios comunitárias, tanto por meio de seus veículos quanto por sua entidade representativa, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). De uns tempos pra cá, no entanto, a Platinada aderiu à velha estratégia do "se não pode vencê-los, junte-se a eles". Para isso, conta com a ajuda da Rádio Viva Rio, que até fevereiro deste ano ocupava uma frequência do Sistema Globo de Rádio.
O Viva Rio, por meio da Rede Viva Favela, oferece às rádios comunitárias a oportunidade de retransmitir os programas da TV Globo. Essa parceria representa uma ameaça à diversidade cultural, que deveria ser promovida por uma rádio que se diz comunitária. A Rádio Viva Rio alega estar tentando "enfrentar a imagem de clandestinidade" das rádios comunitária. Ingenuidade? Talvez. O certo é que a parceria contribui para o fortalecimento da hegemonia das Organizações Globo, sendo, portanto, um entrave à democratização da comunicação no país.
(*) Bruno Zornitta é estudante de jornalismo.
(www.fazendomedia.com)